• Morre Silvio Santos, o criador do SBT, aos 93 anos. Conte sua história com ele!

    Morreu este sábado, 17/08, Senor Abravanel, o Silvio Santos, homem que soube passar de camelô a dono de um dos maiores impérios econômicos do país.

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    Entre seus muitos negócios, o Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT.

    Como a imprensa brasileira inteira hoje vai ficar relatando a vida de Silvio Santos, a Janela vai preferir contar uma história sobre ele, ao mercado, e sugerir que seus leitores façam o mesmo nos comentários.

    Pois uma vez, chegou aos nossos ouvidos, que Silvio Santos reuniu o mercado publicitário em São Paulo, com as lideranças das agências, para deixar claro que para ele, nada era mais importante do que a audiência da sua emissora.

    Muito mais do que os anúncios que eram autorizados pelas agências que lá estavam.

    Portanto, já iria deixar avisado que durante suas atrações dos fins de semana, quando a briga de audiência era feia, seu time ficava monitorando o Ibope do SBT e dos concorrentes.

    Que todos se conformassem, então, se seus anúncios não entrassem no ar na hora programada, caso o SBT estivesse à frente nos números.

    Tudo depois seria compensado.

    Durante muitos anos, próximo do Dia do Mídia, o SBT reuniu o mercado para um almoço. Era muito tradicional e iam praticamente todos os mídias cariocas, das menores às maiores agências.

    E nunca podia faltar o totem de papelão com o recorte da foto do Silvio Santos.

    Pois a gente duvida que, pelo menos em algum ano, nossos leitores não tenham feito questão de fazer uma foto junto com o Silvio.

    Este era o Silvio Santos, que vai deixar muitas saudades no Brasil.

    E você, leitor, sabe outros causos? Conte aí embaixo!

    (Foto de Silvio Santos por Lourival Ribeiro/SBT)

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    Marcio Ehrlich

    Jornalista, publicitário e ator eventual. Escreve sobre publicidade desde 15 de julho de 1977, com passagens por jornais, revistas, rádios e tvs como Tribuna da Imprensa, O Globo, Última Hora, Jornal do Commercio, Monitor Mercantil, Rádio JB, Rádio Tupi FM, TV S e TV E.

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    Discussão

    1. Gilberto Garcia

      Uma perda e tanto para a indústria da comunicação. Lamento profundamente e desejo força e fé para que a família possa passar por este momento.
      Falando de lembranças, tenho duas: uma na Salles/Inter-Americana de Publicidade do Mauro, do Luís e do Paulinho Salles. A frente da gerencia de marketing da Texaco estava nosso querido e inesquecível Paulo Éboli e o diretor era o Clóvis, não me lembro o sobrenome. A Salles tinha comprado um patrocínio no SBT para a Texaco e o Clóvis ia fazer a entrega da premiação. Ao entrar no palco o Silvio olha para o Clóvis e pergunta: ” O que é que o senhor vai cantar?” Quando lembro do episódio ainda sinto o frio na barriga.
      O segundo e marcante encontro com o Silvio foi na comemoração dos 50 anos da Petrobras. A Contemporânea ficou incumbida de realizar o Show do Milhão com os patrocinados da Petrobras e eu tive o privilégio de consuzir a caravana, entre eles, Ziraldo e Rico de Souza. Aprendemos muito com o senhor Abravanel e seu time. O SS transformou a televisão brasileira e além de agradecer muito a ele só nos resta esperar para saber como ela ficará sem ele. Aguardemos. O futuro nos dirá.

    2. Claudio

      – Alô.
      – Fala, Claudio, beleza?
      – E aí, Marcelo. Tudo bem. O que você manda?
      Era uma tarde típica de 1995. A rotina era ir para a escola de manhã cedo, almoçar com minha mãe e irmãos, dormir uma sesta, que é uma tradição na minha família gaúcha, e no meio da tarde sair para encontrar os amigos ou para fazer algum esporte.
      – O que vai rolar hoje? – perguntou o Marcelo do outro lado da linha.
      – Tô indo nadar, depois posso passar aí.
      – Ei – interrompeu o Marcelo – você está na frente da televisão?
      – Tô.
      – Põe no SBT, rápido!
      Estava passando uma propaganda que avisava que o SBT selecionaria pessoas de Brasília para participar do programa Em Nome Do Amor, apresentado pelo Sílvio Santos. A locução do inconfundível Lombardi era mais ou menos assim: “Você, jovem solteiro, que está à procura do amor e mora em Brasília e região, pode participar do programa Em Nome do Amor! Inscreva-se no Rádio Center, dia tal, hora tal…”
      – Viu isso? Vamos lá!
      – Pra quê? Eu não quero participar do programa.
      – Eu também não, cara, claro que não. Mas pensa comigo, vai ter um monte de garotas lá, solteiras, todas com a intenção de procurar um namorado. A gente vai se dar bem!
      O Marcelo era um cara esperto. Era como dizer a um pescador que a tal hora, em tal lugar, haveria um cardume imenso. É claro que o pescador estaria lá para pescar e é claro que o Marcelo estaria lá no Rádio Center conferindo o “cardume”. Genial.
      Eram os primórdios da internet. Todos sabiam o que era, mas o acesso era muito limitado. Quase ninguém tinha. Poucos possuíam computador. Até nas empresas havia limitações. As empresas que tinham computador geravam um e-mail por departamento, e não um e-mail para cada pessoa nos escritórios. Nessa época, não existiam as salas de chat, muito menos mensagens por celular, porque não existia celular. Então, para a gente ficar com as meninas, tinha que ter lábia, olho-no-olho, linguagem corporal, frequentar as festas e uma boa porção de cara de pau. Não estou dizendo que hoje não é assim, mas as redes sociais e as mensagens já abrem muito o caminho e fazem a conexão para os próximos passos. Os interessados já se estudam, coletam informações, gostos, preferências e o assunto já está meio encaminhado. Fora as ferramentas específicas para encontros, como o Tinder, que funciona como um grande atalho para a investida. Pelo menos é isso que observo da juventude que já nasceu na era digital.
      A ideia do Marcelo era muito boa e não nos custava nada aparecer no Rádio Center, conferir e quem sabe investir em alguma garota. Descemos do ônibus e já dava para ver a fila que se formava circundando o prédio. Era imensa! Caminhamos como quem não quer nada e nem precisamos nos preocupar em puxar assunto. As meninas começaram a mexer com a gente ali mesmo. Aliás, deixa eu corrigir, começaram a mexer com o Marcelo.
      O Marcelo era o bonitão da galera. Tinha os olhos azuis, era magro e alto com os cabelos loiros claros, daqueles que não se confundem com castanho, era loiro de verdade. O comprimento era abaixo dos ombros. Nessa época ter cabelo comprido era moda. Em 1995, fazia um ano da morte do Kurt Cobain, vocalista do Nirvana, e o álbum Acústico MTV era sucesso absoluto, ditando o som e o visual de uma geração. Os galãs todos usavam cabelos longos e estava na moda os “rabos de cavalo” para os meninos.
      Já eu, era feio de dar dó. Os hormônios encresparam meus cabelos e foi um sacrifício deixá-los crescer. Quando chegou em determinado comprimento, passei a usar o rabo de cavalo constantemente, pois, solto, ficava igual à Maria Betânia Jovem. Na tentativa de amenizar, raspei as laterais, como o vocalista do Faith No More, mas, por usar preso, o peso do cabelo atrás das minhas orelhas fazia eu parecer o príncipe Charles. No conjunto, eu parecia o Pedro de Lara jovem, com muitas espinhas e dentes feios, já que havia quebrado os dois da frente e tinha feito uma correção ruim. Por outro lado, era muito confiante. Nada me abalava, não tinha nenhum complexo e era o “rei do pedaço” na escola. Chegava facilmente nas garotas e geralmente era bem-sucedido nas investidas.
      Estávamos conversando com um grupo de garotas quando uma pessoa da produção do SBT se aproximou.
      – Vocês vieram se inscrever?
      – Não, não… a gente tava aqui perto e paramos para conversar com elas – disse o Marcelo, que estava rodeado por garotas da fila.
      – Por que vocês não se inscrevem? Já estão aqui mesmo.
      Olhando para fila era fácil entender a insistência. Não havia homens. A fila inteira era formada por mulheres. Uma das garotas que estava conversando com o Marcelo disse que se ele fosse ao programa, dava namoro. Era o empurrão que faltava.
      – A fila está imensa e não podemos ficar muito tempo aqui – eu disse ao cara que organizava as inscrições.
      – Essa fila é para mulheres. A fila de homens está vazia. Vocês não precisam esperar nada e lá é bem rápido.
      Foi assim que entramos no prédio, preenchemos um pequeno formulário, tiramos uma foto de frente e de lado, como os presos pela polícia, e voltamos à fila para conversar com as meninas. Foi divertido e achávamos que tinha acabado ali.
      Pouco tempo depois, coisa de um mês ou menos, o Marcelo me encontrou na escola e contou que recebeu um telegrama do SBT o convidando para participar do programa. Morremos de rir.
      – E você vai?
      – Vou, claro! É tudo pago: viagem, hotel, alimentação… se a minha mãe deixar, vou sim!
      A mãe do Marcelo era fã do Sílvio Santos. Era fácil imaginar ela como uma das “colegas de trabalho”, aquelas senhoras que pegam uma caravana para assistir ao programa. Obviamente ela deixou.
      Ele voltou e não nos contou nada sobre o que tinha acontecido no programa, mas contou sobre os bastidores, sobre os estúdios do SBT, sobre a experiência, e tudo parecia muito divertido. No domingo em que o programa foi exibido, os amigos mais próximos foram assistir na casa do Marcelo. Foi uma diversão! Chorávamos de rir com a participação dele. Mas, infelizmente, a garota que ele havia escolhido disse não à famosa pergunta do Sílvio Santos: “É namoro ou amizade?”.
      No dia seguinte, na escola, todo mundo sabia do ocorrido. Achei impressionante, porque o Marcelo não tinha divulgado que ele apareceria no programa. Não existiam redes sociais e não havia compartilhamento de conteúdo. Era inacreditável a audiência do SBT aos domingos. Metade da escola tinha assistido e a metade que não tinha visto ficou sabendo logo de manhã cedo. O Marcelo virou celebridade na escola literalmente de um dia para o outro. Mas não foi uma celebridade totalmente admirada. Foi uma celebridade totalmente zoada. O fato de a garota ter negado o namoro, transformou a história toda no maior bullying coletivo que presenciei na vida. Durante o recreio dava para ver que estava todo mundo apontando para ele e rindo. Ele ficou incomodado e fomos para um local isolado da escola. Quando tocou o sinal para voltar para a sala, ficamos esperando os alunos subirem para então irmos em paz, mas ninguém subiu. O bedel começou a forçar a barra, mas ninguém obedecia. Estava todo mundo esperando o Marcelo. O bedel nos encontrou e mandou a gente subir. O Marcelo estava nervoso com a situação. No momento que ele apareceu, um cara começou a puxar um coro que foi entonado por todos os alunos: “Toco, toco, toco…”. À medida que o Marcelo caminhava, se formou o maior corredor polonês já visto. Aceleramos o passo e corremos para a aula. Nós éramos os reis do bullying, estávamos provando o próprio veneno. Aliás, bullying era uma palavra desconhecida e uma prática vista como natural no colégio. Tem gente que faz, tem gente que recebe. Faz parte da formação da pessoa. No final das contas, o Marcelo ficou famoso no colégio como o cara que tomou um “toco” em rede nacional, mas todo mundo admirava que ele tinha ido lá. Sacaneavam por inveja.
      Uns seis meses depois, quando a poeira já tinha baixado completamente, chegou um telegrama para mim. Raramente eu recebia qualquer correspondência e não pensei que pudesse ser do SBT, pois já tinha passado muito tempo da inscrição e eu não tinha sido chamado. O conteúdo do telegrama era “Favor entrar em contato urgente com o SBT, falar com Cláudia no telefone a cobrar…”.
      Liguei imediatamente para o Marcelo. Estava na dúvida se deveria ir, afinal, as consequências para ele não foram lá as melhores. Mas ele me contou que foi uma experiência única, que não se paga. Não é o tipo de coisa que você pode decidir ir em outro momento da sua vida ou comprar no futuro. Era aquela vez ou já era. Ele disse que ter sido sacaneado no colégio foi um preço muito baixo comparado às memorias que ele levou de ter participado do programa. Sabe aquele cara que pula na água gelada e fala que está ótima só para o outro pular também?
      Falei para minha mãe e ela nem se importou. Ela achava ridículo, mas se eu quisesse fazer papel de ridículo, era problema meu. Minha mãe nunca interferiu nas bobagens da adolescência. Ela não se importava com as roupas rebeldes ou o cabelo comprido, muitas vezes pintado de azul. Sei que hoje é bem comum cabelos coloridos, mas não era tão comum nos anos 90. Não tinha produto, nós usávamos papel crepom numa bacia com água e colocávamos o cabelo lá para tingir. Nem sempre dava certo. Uma vez quis reproduzir um cabelo azul como uma foto do Kurt Cobain que vi numa revista e saí com o cabelo cinza. Ela sempre teve a clareza da fase que eu estava e sabia que era normal. Suas preocupações eram com coisas que ofereciam consequências e riscos, como engravidar uma garota, tomar drogas ou cometer algum crime. O resto era só coisa de adolescente.
      Liguei a cobrar para o SBT como instruía o telegrama. Conversei com a Cláudia, produtora, que era muito simpática e explicou em detalhes como seria, falou das datas e das regras. Topei e recebi em casa o talão de carbono com as passagens e as instruções.
      Nós fomos para São Paulo numa segunda-feira. Logo no aeroporto, conheci os outros rapazes que foram selecionados para participar do programa. Todos gente boníssima, de origem bem humilde. Dos sete participantes, só dois tinham viajado de avião antes. Todos nos demos muito bem e a viagem virou uma zona, típica de excursão de colégio, antes mesmo de decolarmos. Estávamos querendo saber quem seriam as garotas, mas o SBT era bem organizado. Elas não viajavam no mesmo voo que os participantes homens.
      Chegamos no hotel e tentamos descobrir no lobby qual eram os quartos onde as garotas que participariam do programa estavam, mas o recepcionista nos explicou que elas nunca ficavam no mesmo hotel dos garotos. Persuadimos o funcionário a nos contar qual era o hotel e fomos em dois táxis tentar conhecê-las. A ideia era combinar o jogo. Eu botei muita pilha nisso porque estava preocupado em levar um fora e passar pela mesma situação que o Marcelo.
      – Oi, nós estamos aqui para falar com as garotas que vieram pelo SBT de Brasília e que vão participar do Em Nome do Amor.
      – Claro. Só um minuto, por favor. Vocês podem aguardar ali no lobby que vou pedir para uma delas descer.
      Mas em vez de ligar para as participantes, a recepcionista ligou para a produção do SBT, que nos aplicou uma bela bronca. Eles explicaram que o Sílvio Santos leva muito a sério o programa e que não tem maracutaia. Ele faz questão que a reação ao conhecer as garotas seja genuína. Voltamos para o hotel nos sentindo mal com a bronca.
      No dia seguinte, acordamos às seis da manhã para tomar café, já que a van do SBT nos buscaria às 7h. Chegamos nos estúdios do SBT antes das 8h. Ficamos maravilhados com a montagem do palco. Estavam colocando o tablado de coração com carpete em tons de vermelho e rosa. Havia grandes biombos de madeirite com formato de coração. Era tudo muito bonito do ponto de vista de quem estava no famoso auditório, mas parecia uma oficina para quem olhava de trás do palco.
      Logo na chegada encontramos o Roque, tradicional ajudante do Sílvio. Conversamos com ele, que foi bem simpático. Perguntei à Cláudia se poderia conhecer o Lombardi e ela prometeu que quando ele chegasse nos apresentaria. Nos deixaram numa sala que tinha algumas cadeiras e um filtro de água. Ficamos lá conversando e toda hora entravam funcionários, pegavam um copinho de plástico, se serviam de água e saíam. Numa dessas entrou um sujeito de calça brim preta, camisa social branca para fora da calça, bem relaxado. Os cabelos caíam na testa fazendo uma franjinha meio de lado. Ele olhou para a gente e disse:
      – Má ôe, já volto pra conhecer vocês.
      Pegou um copo d´água e saiu.
      Daria para ouvir uma agulha cair no chão, tamanho o silêncio que ficou na sala enquanto o Sílvio se servia de água. Ver o ícone da TV brasileira daquele jeito, sem penteado, sem maquiagem, sem o terno e sem o famoso microfone pendurado no pescoço, era uma cena tão surreal, que demorou para a gente entender que era ele mesmo.
      Levamos um chá de cadeira nessa sala. A Cláudia, produtora do programa, era muito simpática e apreciava o entusiasmo do grupo. Ela nos deu um tour completo. Deixou que a gente visse bem rapidamente o camarim do Sílvio. Era uma sala pequena, simples, com papel e caneta em cima da mesa que ficava em frente ao espelho e um cabideiro, daqueles de madeira. Não tinha muita coisa. Diferente do camarim da Hebe, que era grande e suntuoso.
      Estávamos sendo levados para uma outra sala quando um senhor que passava no corredor foi chamado pela Cláudia.
      – Pessoal, esse aqui é o Lombardi.
      Foi só ele falar “oi” para a gente reconhecer a mais famosa voz da TV brasileira. Possivelmente mais famosa do que a do Cid Moreira. Ele foi bem simpático e repetiu todas as frases que a gente pediu para falar com a característica voz. As pessoas me perguntam como é o Lombardi, mas achei ele difícil de descrever, justamente por ser um cara muito comum. O cabelo talvez fosse sua característica mais marcante, pois parecia uma peruca, mas lembro de achar que ele tinha cara de taxista.
      Na sala a que fomos levados, havia sete cadeiras posicionadas em formato de meia lua e uma cadeira diferente, melhor que as outras, na frente do semicírculo. Sentamos e pouco tempo depois entrou o Sílvio Santos. Ele estava com aquele cabelo que a gente conhece, já armado, maquiado, mas sem a gravata. Começou a conversa com aquela voz que é a mais imitada do país.
      – Fizeram boa viagem? A produção está cuidando bem de vocês? Estão felizes de estar aqui?
      Todas as perguntas eram muito atenciosas e a gente via que ele estava quebrando o gelo e tentando nos deixar à vontade. As respostas eram sempre um petrificado sim ou não.
      Então ele começou a perguntar detalhes, um por um. Comigo a conversa foi mais ou menos assim:
      – E o seu nome é Claudio? – eu já estava com o crachá.
      – Isso.
      – Você mora em Brasília ou numa cidade-satélite.
      – Em Brasília – todo mundo respondia o mínimo possível. Era difícil ficar à vontade, ainda que o Sílvio fosse muito tranquilo, cordial e gentil conosco.
      – O que você faz em Brasília, Claudio.
      – Eu estudo. Estou no segundo grau. Além disso, tenho uma banda de rock, toco bateria.
      O Sílvio ouvia atentamente. Era claro que ele estava coletando informações, pois se já estávamos petrificados naquela sala, sem ninguém vendo, é claro que ficaria pior no palco, com o auditório, as câmeras, os diretores de cena, as luzes etc. O Sílvio conhecia bem isso e usava as informações para puxar assunto com os participantes. Nos chamou a atenção que ele não anotava nada e não ficava ninguém da produção junto conosco nessa conversa. Éramos nós sete e ele e, mesmo assim, na hora da gravação ele sabia exatamente a quem se dirigir e puxar assunto sobre coisas que dissemos para ele naquela sala. Totalmente profissional.
      Depois desta conversa ficamos mais à vontade. Quem nos deixava tensos era o pessoal da produção, o Sílvio nos deixava tranquilos, tinha uma fala calma, gentil e amigável. Já o pessoal da produção era meio estressado. Corre para lá, corre para cá, mil mensagens pelos walkie talkies. Nos levaram para maquiagem. Alguns foram resistentes, mas não é uma opção, é obrigatório. Nos explicaram que as luzes do estúdio eram fortes e refletiam o óleo natural que todo mundo tem no rosto, portanto tínhamos que passar aquele pó. Uma pessoa do figurino não me permitiu usar a roupa que eu tinha levado. Disse que era quadriculada e dava um efeito ruim na tela. Me entregaram uma camisa social que parecia que estava vestindo um balão. Era uns três números maior que o meu, mas não tive opção, fui obrigado a vestir aquilo. Quando vejo o vídeo, me arrependo em não ter pedido para trocar. Recebemos várias instruções. Ordens, na verdade.
      – Vejam bem, não pode fazer propaganda de nada. Não pode falar nome de loja, não pode ficar mandando beijo pra mãe, pro pai, pra ninguém, entendido?!
      Todos respondemos balançando as cabeças em afirmação. Mas além de não levar um fora, eu tinha outro objetivo no programa. Queria falar da minha banda, os Schumainous. Era uma banda típica de adolescente, mas que tinha alma. Éramos um trio formado por melhores amigos que até hoje mantêm essa relação. Eu, Vinícius Madela e Gustavo Mafra. O Gustavo, conhecido como Guga, lançou um livro que conta com detalhes a história da banda e das músicas. Chama-se Como ser um Rockstar. Mas como eu poderia falar sobre a banda com todas estas regras que o produtor impôs?
      Quando voltamos do camarim, vimos que o auditório já estava lotado. Só mulheres. Já repararam que não tem nenhum homem nas plateias dos programas do Sílvio Santos? Dizem que ainda nos anos 60 o Sílvio percebeu que as mulheres ficavam inibidas com a presença dos homens e que os homens não participavam como elas. Realmente, não imagino um auditório lotado de homens cantando “Ritmoooo, é ritmo de festaaaa”. Além do mais, acho que sairia muita pancadaria para pegar os aviõezinhos de cem reais.
      O Roque esquentava a plateia e a gente ficava vendo o trabalho dele pela lateral do palco. Nesse momento já ficamos nervosos, as mãos suavam. O Sílvio chegou e o auditório foi à loucura. Ele conversou com as “colegas de trabalho”, fez aquelas perguntas sobre as caravanas, escolheu algumas para bater papo, interagiu com o Lombardi, tudo com as câmeras desligadas. Ele é mestre em deixar o auditório na mão dele. Quando a câmera começa a filmar, quase não deu para perceber a transição do que era aquecimento para o que já estava valendo.
      Enquanto o Sílvio Santos falava, um produtor usando um fone de ouvido recebeu ordem para nos preparar.
      – Bora, pessoal, todo mundo em ordem de tamanho. O menor na frente o maior atrás. Vamos, vamos, rápido. Você pra lá, você pra cá, venham comigo, fiquem aqui…
      A gente ia seguindo parecendo uma boiada, sem saber direito o que fazer e seguindo os passos de quem estava na frente. Ficamos em um corredor estreito de madeirite. Eram aqueles corações que eles montavam no palco. De lá, dava para ver, de vez em quando, o Sílvio brincando com o auditório. A vista era da lateral do palco, não dava para ver a plateia. A gente não ouvia muito bem ali detrás o que estava acontecendo no palco até que o produtor colocou a mão no ouvido, pressionando o fone que usava e disse que era agora. Do nada ele colocou a mão no ombro do mais baixo dos participantes, portanto primeiro da fila, a quem apelidamos de “Presuntinho”. Uma pausa como quem tenta ouvir alguma coisa e… “já”, disse literalmente empurrando o Presuntinho para a frente. Escutamos a voz dele, mas não dava para entender o que estavam conversando. Era um silêncio tenso nos bastidores e o som do palco não chegava direito para a gente lá. E assim o produtor foi empurrando um a um. Quando chegou na minha vez, me senti igual quando saltei de bungee jump. A pior hora é quando você está na plataforma, com as pontas dos pés para fora e olhando para baixo. Alguém conta até três e pede para você pular, e é totalmente antinatural se jogar. Você pensa que diabos está fazendo lá em cima, mas é tarde demais para voltar, então inclina o corpo para a frente e sente o frio da queda. No ângulo que eu estava já dava para ver o Sílvio, e o produtor disse “vai” dando um empurrão no meu ombro. Comecei a andar e o ângulo foi abrindo permitindo que eu visse o auditório, continuei a andar escutando os aplausos, já vendo o auditório inteiro e as câmeras, que eram imensas, se movimentando. Olhei para a frente e lá estava o ícone da TV brasileira olhando nos meus olhos com um sorriso na cara. Suas mãos estendiam um microfone para eu pegar. Aquela era a “queda do bungee jump”, com a diferença que na queda real você pode gritar e colocar a emoção para fora, ninguém te faz nenhuma pergunta, e se fizessem, não haveria condição de responder. Mas, no palco, as perguntas aconteciam, ainda que eu me sentisse com a adrenalina igual à queda livre do salto, tinha que respondê-las. Juro, não dava para raciocinar. Hoje eu entendo por que as pessoas que participam daqueles programas de perguntas e respostas erram as coisas mais imbecis. É muito fácil saber o que dizer no conforto do sofá da sua casa, mas naquela situação eu não saberia responder quanto é dois mais dois.
      O Sílvio perguntou meu nome, minha idade e que tipo de garota eu estava procurando.
      Tudo eu respondia o básico, inclusive o tipo de garota. Disse:
      – Procuro uma garota que seja bonita e cheirosa.
      O auditório começou a rir e eu fiquei inibido. Eu ia falar mais coisas, mas, com a reação do auditório, dei uma pausa e o Sílvio perguntou:
      – Bonita e cheirosa? Só isso?
      – É, só isso tá bom – respondi sem saber continuar a conversa. O auditório riu e eu me senti péssimo.
      – Então tá bom, vai pra lá, vai pra lá…
      Então fui para o canto do palco, meio cabisbaixo, mas tentando não transparecer. E assim o Sílvio foi conversando com cada um até que chegou a hora que a gente ansiava.
      – Má oêeee, agora vamos chamar para o palco as garotas! Pode entrar a primeira garota…
      Logo que entrou a primeira alguém falou “essa é do Presuntinho”. Ninguém tinha curtido muito. O Presuntinho, que era um cara espirituoso, disse: “Podexá comigo”.
      Entrou a segunda garota e mais um comentário dos homens “Outra pro Presuntinho”. E assim elas foram entrando, uma a uma, e a gente ia negociando quem iria tirar quem para dançar. Percebi que a briga estava acirrada para uma garota em específico, que era uma loirinha bonitinha. Minha estratégia foi deixá-los se digladiando pela loirinha enquanto eu procuraria uma que me agradasse e com quem me simpatizasse.
      Cada um de nós, do lado das meninas e dos meninos, recebeu um binóculo para observar os outros com detalhes. O binóculo era de brinquedo, da marca Turma da Mônica. Dava para ver que eles tinham pintado. As lentes eram péssimas, todas arranhadas. Estávamos a uns dez metros de distância uns dos outros, mas tínhamos que fazer aquele teatro e olhar pelos binóculos. Dava para ver que as garotas não estavam muito satisfeitas com o que tinham visto dos caras. Era meio que uma situação de quem vai se dar “menos pior”, e valia para os dois lados.
      O Sílvio fazia alguns intervalos. Não como a gente vê na TV, eram pausas longas. Ele saía do palco, voltava, saía de novo. O programa é gravado no ritmo dele. Se ele quisesse sair para falar ao telefone, parava tudo. Se ele quisesse atender alguém, parava tudo. Não é para menos, ele não é só o apresentador mais famoso da TV brasileira, ele é, “apenas”, o dono da porra toda. Nestes intervalos, estabeleci contato visual com a garota que eu mirei. Ela parecia simpática e confirmou minha decisão. Cada um de nós usava um crachá em formato de coração com os nossos nomes. O dela era Morgana. Num desses intervalos também estabeleci contato com duas garotas do auditório que ficavam me chamando para ir lá. Uma delas me ofereceu uma balinha e eu fui lá buscar. A Morgana fez um sinal para mim como quem diz “estou de olho, começou mal”. Eu peguei a balinha, mostrei para ela e disse “peguei pra você”. Uma charlatanice sem tamanho, mas funcionou de alguma forma.
      O Sílvio chamou ao palco a cantora Thalía, uma belíssima artista mexicana que fazia muito sucesso na época por ser protagonista da novela Maria do Bairro (se não me engano) que era exibida no canal do homem do Baú. No México ela era mais conhecida por ser cantora. Existia uma lenda de que ela tinha tirado uma costela para afinar a cintura, o que não duvido depois de tê-la visto ao vivo. Ela fez uma longa entrevista com o Sílvio e cantou duas músicas. Curiosamente não foi ao ar no mesmo programa que o nosso, apesar de ter sido gravado quando estávamos lá. No YouTube dá para ver a apresentação dela, e os editores deram um jeito para que nenhum de nós aparecêssemos, já que foi exibido em outro dia.
      Em determinado momento o Sílvio pede aos homens que se encaminhem até as mulheres e escolham uma para dançar. Nesta hora saí em disparada, ficou até ridículo, mas não queria que alguém pegasse a Morgana antes de mim, pois não havia plano B. Olhando o vídeo atentamente, dá para ver que estou com a bala na mão, que dei a ela conforme prometido. A música é sempre a mesma, Julio Iglesias. Uma canção romântica que certamente foi escolhida pelo próprio Sílvio.
      Começamos a dançar quando a Morgana solta a seguinte notícia:
      – Olha, espero que você não se importe, mas infelizmente não vai dar namoro. Eu tenho um noivo em Brasília.
      – O quê?! Ué, e o que você está fazendo num programa de namoro na TV?
      – Quando eu me inscrevi eu não tinha noivo, mas quando eles me chamaram, já tinha. Eu conversei muito com ele, pois não queria perder a chance de viajar de avião, conhecer São Paulo e o Sílvio Santos. Combinei que eu viria, mas que não aceitaria namoro.
      A casa caiu para mim. Putz, e agora? O meu destino eu já sabia, seria igual ao do Marcelo.
      – Poxa, Morgana, que chato isso. Pensa no meu lado, eu não tinha como saber que você está comprometida. Fica muito ruim eu levar um fora em rede nacional, não acha?
      – Pois é, desculpa. Mas fica pior ainda se eu falar que é namoro. Meu noivado acaba.
      O que era para ser uma conversa para a gente se conhecer, virou uma negociação. Isso é evidente no vídeo. Os outros casais estão dançando e parecem conversar amenidades. Eu e ela estamos com uma cara diferente e conversando freneticamente em outro ritmo que não combinava nada com a música romântica. Eu estava determinado em não levar um fora.
      – Morgana, vamos fazer assim. Você vai falar para o seu noivo que é tudo armado. Que a produção escolhe os casais que têm que dar namoro. Imagina se não dá namoro nenhum? O programa fica sem audiência. Fala pra sua família que escolheram você e que você não tinha como dizer não. Não precisa rolar nada entre a gente.
      – Ai, não posso fazer isso. Todo mundo vai ver. Vai pegar super mal.
      – Morgana, eu não quero que fique ruim pra você, mas também não pode ficar ruim pra mim. Pensa bem, vou levar um fora em rede nacional. Quebra essa. Eu mesmo falo com o seu noivo se precisar.
      No meio da conversa (da negociação) a música parou e o Sílvio emparelhou os casais. Ele começou com o Presuntinho e a respectiva garota, e enquanto conversava com eles, minha conversa com a Morgana seguia. Todas as vezes que a gente aparece no enquadramento, estamos conversando, quase discutindo como se já fôssemos um casal há muito tempo. Eu insistia porque percebia que tinha uma brecha ali. Dava para ver que ela estava balançada. Eu tinha pouco tempo, então despejava argumentos. Mas o Sílvio veio em seguida conversar conosco.
      – Má oeee, vem pra cá vocês dois, vem pra cá. Morgana, você mora em Brasília ou numa “cidade dormitório”? – foi assim que ele se referiu às cidades satélites.
      – Moro em Santa Maria. Fica a 30 minutos do centro de Brasília.
      – Você já tinha viajado de avião?
      – Não, foi minha primeira vez. Fiquei muito nervosa, principalmente na decolagem e no pouso, mas gostei muito da experiência.
      A Morgana estava se saindo muito bem, com uma tranquilidade na fala e grande desenvoltura. Muito melhor do que eu, que só conseguia responder sim e não.
      – Claudio, você é músico não é mesmo? – perguntou o Sílvio Santos, já usando as informações que ele coletou na conversa que teve conosco nos bastidores.
      – Isso mesmo Sílvio, inclusive, olha só o que eu trouxe pra você – puxei do bolso frontal da camisa a fita k7 demo da minha banda. O Sílvio não gostou. Isso ficou claro porque ele ignorou completamente a fita que eu tirei do bolso, e a câmera passou a me filmar em close para a fita do enquadramento. Mas havia um monitor na frente do auditório e eu levantei a fita até a altura do meu pescoço para ter certeza que apareceria. O Sílvio se voltou para a Morgana e disse:
      – Olha, se eu fosse você falaria amizade, porque esse moço parece mais interessado em divulgar a banda dele do que em namorar você.
      – Também acho, Sílvio – disse a Morgana já com a desculpa que ela precisava para me dar o fora. Percebendo que tinha pisado na bola, guardei a fita no bolso e falei.
      – Nada disso Sílvio, eu vim aqui para arrumar uma namorada.
      – Mesmo?
      – Mesmo!
      – No duro? Gostou dela?
      – Desde o momento em que pisei no palco.
      Quando falei isso o auditório inteiro fez em coro um “aaaaaaaahhhhwwww” e percebi que ganhei o público.
      – Auditório, vocês acham que vai ser namoro ou amizade?
      Todos em coro “Namoro, namoro, namoro…”
      – Eu acho que vai ser amizade. Morgana, é namoro ou amizade?
      Nós estávamos de mãos dadas e eu apertei a mão dela com muita força como quem diz “Fala namoro”.
      – Eu não sei – disse a Morgana claramente demostrando que tinha doído o apertão na mão. Vendo o vídeo dá para notar que ela dá um gemidinho pelo apertão ao mesmo tempo que fala “não sei”.
      – Então vão pra lá, vão pra lá que depois eu volto e falo com vocês de novo.
      O Sílvio começou então a conversar com os outros casais enquanto o segundo round de negociações se iniciava. Eu e a Morgana já estávamos mais à vontade e nos divertindo com a situação, dava para ver que ela queria atender meu pedido, mas não estava segura com o que poderia acontecer na casa dela. Fiquei insistindo no argumento de que é tudo armado. Disse a ela¬¬¬ que a gente poderia até ganhar alguma coisa a mais do programa se desse namoro. O programa não só pagava nossas passagens, hospedagem e alimentação, como também dava um cachê que era bem legal para nós, adolescentes sem fonte de renda. Eu não fazia ideia se ganharíamos mais se o resultado fosse namoro, mas nos explicaram que se dali saísse um noivado, o programa pagava as alianças. Se saísse casamento, o programa pagava a festa (e fariam as filmagens com permissão para passar no programa, claro) e tinha um prêmio para bodas de prata, de ouro… Então falei para ela que achava que a gente ganharia alguma coisa se saísse namoro.
      O Sílvio conversou com os outros casais e era toco para todo lado. O único que tinha conseguido o status de namorado foi o Presuntinho. E então, voltou a falar conosco e logo puxou o assunto da banda.
      – Claudio, você veio aqui só pra divulgar o seu conjunto musical. Tá bom, cadê a fita? Deixa eu ver.
      Retirei satisfeito a fita do bolso e entreguei para o Sílvio Santos. Ele olhou e não entendeu nada do que estava escrito na capa, também, pudera! Schumainous é um nome nada amigável mesmo.
      – O que é isso? Como é o nome?
      – Schumainous.
      – Schumainous? Mas o que significa Schumainous?
      Algumas situações na vida você conta tantas vezes que já não consegue mais distinguir exatamente como foi. Minha lembrança é que eu inventei a resposta na hora, mas vendo o vídeo, me parece que eu já tinha essa resposta ensaiada. Não sei se o Vinícius ou o Gustavo já tinham usado a versão da minha explicação, o que sei é que não dava para falar a verdade. Schumainous era um grito que uns grupos gritavam nos shows de rock de Brasília e significava maconha. Nenhum integrante da banda fumava maconha, nem cigarro, mas achávamos engraçado os caras gritando. Essa certamente não era a explicação que eu daria para o Sílvio em rede nacional. Não que a explicação que dei tenha sido muito melhor:
      – Schumainous é um grito aborígene que define uma grande orgia – disse titubeando.
      – O quê? Um grito aborígene que define uma grande orgia? Isso é um papo furado do tamanho de um “boinibus” – sim, ele misturou ônibus com boi e saiu essa palavra aí.
      E assim ele mostrou a fita para a câmera dar um close e voltou a falar com a Morgana.
      – Morgana, acho que ele só quer divulgar o conjunto musical.
      – Também acho.
      – Não, Sílvio, vim aqui pra namorar – afirmei decidido.
      – Ah é? Então dá um beijo nela!
      O Sílvio obviamente não sabia que ela estava comprometida. O auditório em coro gritava “beija, beija…”. Olhei para ela esperando uma decisão, mas ela logo disse que não.
      – Auditório, o que vocês acham? É namoro ou amizade? – eu até ali não fazia a menor ideia do que a Morgana responderia.
      – Morgana, é namoro ou amizade?
      Pausa, tensão… close no rosto da Morgana.
      – É namoro!
      – Aêeeeee, má ôeeee. Roque, Roque, vem cá.
      Entrou o ajudante de palco trazendo um buquê de flores para a Morgana e a gente foi para a lateral do palco. Fiquei bastante agradecido à Morgana, que se deu mal no meu lugar.
      Logo em seguida acabou o programa, o Sílvio nos deu tchau e a Cláudia, produtora do programa, veio nos perguntar se a gente queria fazer uma cena para o próximo programa.
      – Como assim? – perguntou a Morgana.
      – Hoje à noite tem o show da Laura Pausini (uma cantora italiana que estava no auge do sucesso no Brasil com as músicas La Solitudine e Strani Amori). Se vocês toparem, a gente leva vocês pro show em um camarote privado. Lá a gente faz cenas de vocês para passar daqui há alguns programas dizendo que vocês estão namorando, mostrando as cenas de vocês curtindo o show.
      Não sei se você, leitor, teve a oportunidade de conhecer este programa. Mas sempre tinha um quadro que mostrava casais que tinham dado namoro em um programa anterior fazendo alguma coisa, com a narração do Lombardi. Geralmente era dando uma volta no parque de mãos dadas ou outra coisa assim. A gente até teve sorte que nos ofereceram o show as Laura Pausini. Olhei para a Morgana esperando que ela decidisse. Afinal, ela já tinha aceitado “namorar” comigo, e não me sentia na posição de pedir mais nada. Ela topou.
      Fomos rapidamente para o hotel trocar de roupa e a van do SBT já estava pronta para nos levar ao Olympia, a mesma casa de shows que vi os Ramones duas vezes.
      O programa Em Nome do Amor não deu muita vergonha de gravar, só nervosismo pela situação e pelo Sílvio Santos, mas gravar no show da Laura Pausini foi muito vergonhoso. Gravar o programa era no estúdio, todo mundo sabia o que estava acontecendo. Já no show, era no meio do público e o diretor era um mal humorado que dava bronca por tudo. Tinha uma equipe formada por um diretor, um câmera, um iluminador, uma maquiadora e um assistente geral. Nós achávamos que só iríamos curtir o show e eles nos filmariam lá, mas não era assim. Havia um roteiro todo desenhado.
      Logo na fila eles montaram os pedestais de iluminação, ligavam aquela luz quente que transformava a noite em dia, chama a atenção de todo mundo em volta e o diretor gritava: “Vem caminhando com ela de mãos dadas”. A gente fazia a cena com um sorriso amarelo, mortos de vergonha, e ele interrompia. “Porra! Vocês estão apaixonados, caralho! Acabaram de começar o namoro. Olha pra ela com paixão, porra”. O clima ficava tenso. Não éramos atores e não estávamos preparados para aquela situação. Cada cena levava uns 10 minutos. Fizemos uma cena na fila, uma subindo as escadas. uma dançando olhando o show e uma cena “especial”, que não podia ter erro.
      – Presta atenção aqui – dizia o diretor enquanto o show rolava e as pessoas em volta estavam mais interessadas na nossa gravação do que na Laura Pausini – daqui a pouco ela vai tocar La Solitudine e quero gravar esta cena no refrão. Não dá pra errar, a Laura Pausini não vai repetir o refrão só pros pombinhos repetirem a cena. É simples e qualquer um consegue fazer. O garçom vai trazer um drink pra cada, a câmera vai ficar atrás de vocês. Vocês pegam os drinks, entrelaçam os braços, brindam, tomam um gole e dão um beijo apaixonado, sacou? Vamos ensaiar uma vez.
      E lá vinha o garçom, trazendo aqueles drinks coloridos cheio de adornos como guarda-chuvas, cerejas e outras breguices. Pegamos o drink com muito cuidado para não derramar, já que estava cheio até a borda, entrelaçamos mecanicamente os braços de forma nada natural, tomamos um gole e nos beijamos.
      – Porra… olha no olha dela, mano! – dizia o diretor – Você está mais preocupado com os outros que estão te olhando do que com a garota. Olha no olho porra, e é pra parecer apaixonado hein!
      Assim começou a música e veio o refrão, acenderam as luzes no camarote (o ensaio tinha sido sem as luzes acesas) e todo mundo se virou para olhar que diacho estava acontecendo. Alguns acharam que nós éramos um casal celebridade. Veio o garçom, entrelaçamos os braços com um pouco mais de desenvoltura, olhei firme no olho dela para acabar logo com aquilo, bebemos e beijamos. Fim. Todo mundo aliviado. A equipe, feliz porque estavam liberados, e nós, porque estávamos livres daqueles babacas. Os equipamentos foram desmontados e a equipe foi embora. Nós ficamos curtindo o show e conversando, voltamos de táxi para o hotel.
      No dia seguinte, no aeroporto, a turma voltou junta. Nos divertimos contando as impressões e as versões que cada um teve da experiência.
      Chegando em casa e na escola, todo mundo queria saber o que tinha acontecido. Não contei para ninguém, nem para o Marcelo, nem para minha mãe. Organizamos um evento lá em casa e convidamos os amigos todos para assistir. Montamos uma TV na varanda e foi mais emocionante do que final da Copa do Mundo. Na escola todo mundo sabia que ia passar no domingo e todo mundo parou para ver, prontos para repetir a sacanagem que fizeram com o Marcelo.
      Quando estava todo mundo lá em casa e o programa começou, foi uma gritaria e todo mundo me sacaneando. Lembro que minha mãe se divertia e morria de vergonha na mesma intensidade. Para os meus irmãos aquilo era uma farra. A melhor lembrança que tenho foi quando eu tirei a fita demo da banda do bolso. Não tinha contado para o Vinícius nem para o Guga que faria aquilo. Para eles foi muito especial ver o Sílvio Santos falando sobre a banda. Lembro com carinho a expressão dos dois, que me abraçaram orgulhosos e gargalhando.
      No final, quando deu namoro, todo mundo me levantou nos braços e me jogou na piscina, de roupa e tudo.
      A Morgana apareceu lá em casa uma vez e me contou que tinha terminado o noivado. Ela não parecia triste com isso. Diferentemente de mim, não fez surpresa para a família e explicou tudo antes do programa ir ao ar no domingo. O noivado acabou antes da exibição do programa. Até hoje acho que, sem querer, ela saiu de uma furada. Era muito nova e claramente não tinha maturidade para seguir numa relação séria, que não resistiu nem a um tropeço num programa de TV.
      Na escola a reação foi dividida. Algumas pessoas entendiam a bagunça e me admiravam por ter a cara de pau de ir lá. Outros repugnavam violentamente, me chamavam de prego, de otário e me achavam ridículo. Acho que todos tinham razão em algum nível, eu só não precisava de todo esse ódio vindo de um grupo específico.
      Uma semana passou e fiquei ansioso para ver nossa cena no show da Laura Pausini, mas no lugar do programa, Em Nome do Amor, passou o Troféu Imprensa. No domingo seguinte passou o programa, mas não apareceu nossa parte. Então parei de acompanhar. Um belo dia me ligou o Gregório, vocalista de uma das melhores bandas de metal da cidade, os Deceivers. Ele ria alto e disse que foi épica a minha participação no show da Laura Pausini. Putz, eu não vi. Não conheço ninguém que tenha visto além do Gregório. Pedi para ele me contar com detalhes e ele imitou o Lombardi dizendo coisas como: “Claudio e Morgana estão namorando e foram juntos ao show da Laura Pausini. O casal apaixonado assistiu do camarote do SBT blá blá…”. Até hoje tenho muita curiosidade de ver essa participação.
      Meu grupo de amigos sempre foi “colecionador de histórias”. A gente fazia e acontecia. Na época, achava que essa história seria só mais uma, mas não foi bem assim. Achei que ela tinha acabado no dia que o programa foi ao ar, mas de tempos em tempos algumas pessoas me encontravam e me apresentavam como “aquele cara que foi no Em Nome do Amor”. Eu não curtia muito isso e tentei por muito tempo esconder a história, pois percebi que muita gente entendia o esculacho, mas muita gente achava só ridículo. Quando me formei e comecei a trabalhar, achei melhor manter esta história só entre os amigos daquela época. Um dia cheguei no trabalho e estava todo mundo vendo o episódio no YouTube e chorando de rir. Quando que, em 1996, eu iria imaginar que no ano 2014 haveria uma plataforma de vídeo que todo mundo teria acesso e que colocariam o programa lá?! Não me senti à vontade e fui atrás do Google pedindo para retirar do YouTube. Eles disseram que só o uploader (a pessoa que subiu o vídeo) poderia retirar, a não ser que haja determinação da justiça. Descobri que o uploader era uma grande amiga minha que é super fã dessa história. Expliquei o caso e ela retirou o filme do YouTube imediatamente.
      Com o tempo, deixei de bobagem e hoje abraço esta história com orgulho de quem viveu a adolescência intensamente, mesmo que ainda exista gente que me julga por ter ido ao programa, como se eu tivesse feito isso ontem e não na adolescência. Minha sorte é que quanto mais tempo passa, mais o programa vira um clássico da TV e mais divertida fica a minha participação nele.

    3. Adonis Alonso

      O ano era 1992. Silvio Santos até então não tinha concedido qualquer entrevista. Por interferência de Rubens Carvalho, na época superintendente comercial do SBT, conseguimos um inédito encontro presencial para o Propmark. Este editor do semanário chegou até a sala de dona Zilda, eterna secretária do apresentador. Minutos antes, fomos informados do cancelamento pelo fato de Silvio ter sido convocado pela executiva do partido pelo qual concorreria à prefeitura de São Paulo. Muitos anos depois, em 2011, no evento de 30 anos do SBT, no Jequitimar Hotel no Guarujá, finalmente consegui fazer uma pergunta ao vivo ao maior apresentador da televisão Brasileira. (https://youtu.be/-ZoM9dAV9Jw?si=vuqFOWo8SajWdhuL)

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